Influencias da cultura brasileira na cultura e no clima organizacional 

O conceito de cultura costuma ser traduzido como a forma mais ou menos comum com que entendemos o mundo e fazemos as coisas em determinado contexto, que pode ser um país como o Brasil, uma região, uma empresa ou um ambiente familiar, por exemplo.  

Porém, para além desse olhar, é importante considerar que o é considerado “normal” em determinada situação não é algo inato e universal, mas sim uma construção socialmente estabelecida e aprendida pelas pessoas conforme a convivência em um dado ambiente.  Além disso, cabe destacar que mesmo que existam práticas culturais distintas conforme o cenário em que se está inserido, as raízes da cultura nacional que se sustentam historicamente e são transmitidas de geração em geração exercem uma grande influência sobre a maneira como agimos e reagimos em universos específicos, como as empresas. 

Por essa razão, inclusive, segundo Aidar et al (2000), não podemos negligenciar a relação entre cultura organizacional e cultura nacional pois uma empresa nunca estará isolada do contexto nacional e social em que ela se constitui.  

Reconhecendo esses aspectos, o presente artigo tem o objetivo de destacar breves reflexões e proposições sobre a influência da cultura brasileira na cultura e no clima organizacional, de modo a contribuir para uma compreensão mais aprofundada sobre origens de determinados comportamentos e diferenças de percepções, além de embasar caminhos para trocas e diálogos com menos julgamento e mais alteridade entre pessoas de diferentes origens que partilham o ambiente de trabalho. 

 Aidar et al (2000, p. 40) pontuam que a compreensão de muitas características culturais das organizações brasileiras pode se ampliar analisando questões históricas da cultura do próprio país, como “a forma de colonização e as implicações da economia escravocrata, latifundiária e monocultora” do Brasil. 

Segundo os mesmos autores, é interessante pensar, por exemplo, no impacto histórico das atitudes dos nossos colonizadores sobre a nossa forma de evitar e minimizar os conflitos, ocorrências que, apesar de desconfortáveis, fazem parte do cotidiano e da negociação de acordos em meio às diferenças. A tendência a simular um ambiente de constante consenso e homogeneidade de pensamentos pode ter tido origem no fato de que, quando os portugueses iniciaram suas conquistas territoriais no Brasil, eles instauraram uma série de contradições, como por exemplo as tentativas de catequizar e “salvar” os povos diferentes através de Deus, que ocorriam ao mesmo tempo em que se mantinha a escravidão e se exploravam todas as riquezas naturais. (Aidar et al, 2000). 

Adicionalmente, conforme Freyre (1966), ações contraditórias como essa criaram uma falsa ideia de harmonia, como se houvesse uma lógica de reciprocidade, de mutualidade e de equilíbrio, ao invés de uma grande estrutura de dominação. 

Assim, essa raiz de ocultar conflitos e fingir que existe uma convivência saudável para todas as pessoas pode ser identificada em muitas organizações, mascarando o grande receio dos profissionais de se mostrarem contrários às ideias dominantes e sofrerem as consequências. 

Nessa mesma linha, Horta e Renato (2008) alertam para o fato de que apesar da cultura ser uma construção social relacional que, então, não existe a priori como algo isolado e inquestionável, o que ainda ocorre em muitas empresas é que os líderes fundadores orientam padrões de ação como se eles fossem a única forma possível de agir e a única maneira correta de fazer as coisas darem certo naquele contexto. 

Dito de outro modo, amparando-se em McLean (2005, p. 241), a cultura acaba criando “parâmetros para qual comportamento é desejável e será encorajado e qual comportamento é inaceitável e será censurado”. 

Com isso, em vários casos, privilegia-se a homogeneização e a concordância em detrimento da heterogeneidade de ideias e do questionamento diferenciadores da natureza humana e fundamentais para a inovação, tão almejada pelas empresas. 

Um ponto que talvez explique essa opção é o medo de renunciar ao que parece funcional e seguro e de aventurar-se em algo desconhecido, mesmo considerando que a existência é pautada, cada vez mais, na mutabilidade e na incerteza. 

Adicionalmente, Schuler (2009) comenta que é comum que organizações em processo de desenvolvimento cultivem a crença de que a adoção de comportamentos distintos de uma norma tida como universal e imutável vai colocar em perigo a produtividade, quando na verdade, conforme se adquire mais e mais consciência, percebe-se a relação inextrincável entre a adoção de práticas socialmente mais responsáveis e integradoras e a ampliação do engajamento com o trabalho e dos resultados. 

Seguindo a linha de valorizar a diversidade e conectando o olhar para o tema com as reflexões sobre cultura nacional e cultura organizacional, é importante recorrer aos estudos de Hofstede (1983). O autor fez uma pesquisa de cerca de 15 anos em uma corporação multinacional investigando 40 unidades da empresa em diferentes países a fim de destacar o impacto das características nacionais nas práticas de trabalho.  

De maneira geral, Hofstede (1983) se propôs a classificar as culturas dos países com os quais interagiu em relação às seguintes dimensões: distância do poder; maneira de lidar com incertezas; contraposição entre posturas mais individualistas e posturas mais coletivas; e contraposição entre ideais predominantes de masculinidade e ideais de feminilidade. 

Considerando, por exemplo, a primeira dimensão – distância do poder – Hofstede (1983) se propôs a observar estilos de liderança, processos de decisão e relações entre gestores e suas equipes para compreender desigualdades na distribuição do referido poder. Então, no caso do Brasil, identificou-se uma alta discrepância entre as condições de atuação e participação existentes entre indivíduos em altos cargos hierárquicos e os demais profissionais.

Aidar et al (2000) utilizam o estudo de Hofstede (1983) para destacar que em muitas empresas brasileiras a abertura para compartilhar percepções e participar – de fato – das decisões é visto como um ato benévolo por parte dos gestores, e não como um direito em uma estrutura social democrática. Adicionalmente, a discrepância acaba sendo pouco evidenciada por estar oculta no mito de que no país há sempre espaço para todos e perpetua-se um ambiente de aparente reconhecimento e respeito da pluralidade e da busca pela igualdade. 

Contudo, ainda conforme Aidar et al (2000), o distanciamento das condições de poder fica evidente em expressões utilizadas comumente na cultura nacional e que nem sempre são exploradas em profundidade, como “Você sabe com quem está falando?”, que serve para marcar a diferenciação entre níveis e status sociais. 

Percebemos, assim, o quanto é importante ir além dos estereótipos e discursos comumente compartilhados sobre comportamentos comuns a brasileiras e brasileiros, refletindo, ainda, sobre as contradições, os impactos e os desdobramentos das várias práticas culturais do país evidenciados no cotidiano e no clima das empresas. 

A linha de raciocínio destacada no artigo foi desenvolvida em uma tentativa de olhar para aspectos mais estruturais da noção de cultura, compreendendo que os desdobramentos organizacionais desse tema e das questões do clima de uma empresa têm origens sócio-históricas que precisam ser consideradas e investigadas. 

O aprofundamento de questões como essas pode descortinar alternativas para ir além do determinismo, da reprodução de padrões dominantes e excludentes e da manutenção do status quo para engendrar mudanças culturais que priorizem de verdade o compartilhamento e o bem-estar coletivo.

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