Conexões e contribuições da psicologia para comportamentos e práticas de liderança
“Primeiro você fará, depois compreenderá”. Esse ditado é citado pela psicóloga Gottlieb (2019, p. 394) para destacar o potencial de lançar-se em uma situação antes de entender a fundo o significado disso. “Transformar as palavras em ação” (Gottlieb, 2019, p. 394), como diz a autora, pode ser libertador, e em um cenário de alta imprevisibilidade é fundamental dar um primeiro passo para sentir o que ocorrerá a seguir. Porém, quando se está em um cargo de liderança, existem expectativas, limites e impactos que permeiam de forma mais intensa as decisões e é importante ter consciência sobre essas variáveis.
Partindo dessa premissa, o presente artigo visa destacar alguns estudos sobre comportamento humano ligados ao universo da Psicologia que podem servir como pontos de atenção e motivadores para que líderes avaliem e pensem sobre aparentes certezas, hábitos e práticas do cotidiano, agindo com maior embasamento e coerência no dia a dia e, assim, exercendo influências mais positivas entre as pessoas com quem atuam.
Segundo Kahneman (2011), acreditamos saber com clareza a origem dos pensamentos que passam por nossa cabeça e que guiam nossas escolhas, mas muitas ações são tomadas a partir de impressões, julgamentos e intuições enviesadas por acontecimentos que cada um de nós vivencia e memoriza através de experiências pessoais, e que acabamos generalizando como se fosse algo comum em outros contextos. O autor explica esse fenômeno com a frase “o que você vê é tudo que há”, destacando nossa tendência de justificar decisões usando apenas o que já é conhecido e está disponível para nós e não necessariamente recursos racionalmente fundamentados e analisados com mais tempo e parcimônia diante da diversidade de contextos e situações.
Não há uma receita que inviabilize a propensão a agir apenas conforme impressões e julgamentos que rapidamente se formam mediante associações com as nossas experiências anteriores. Contudo, saber que tal propensão existe pode mobilizar esforços para “reconhecer situações em que os erros são prováveis”, como por exemplo considerar que um indivíduo é melhor para o cargo porque se parece mais conosco e não porque possui competências verificáveis alinhadas aos objetivos da empresa. Em um âmbito organizacional, inclusive, podemos minimizar erros inserindo “procedimentos ordenados”, “listas de checagem” e “uma cultura em que as pessoas fiquem de olho umas nas outras ao se aproximarem de campos minados” (Kahneman, 2011, p. 445).
Outra sugestão trazida pelo pesquisador envolve reconhecer que uma decisão deve ser ponderada em relação não apenas às consequências que ela pode acarretar, mas também ao modo como ela foi tomada - considerando pontos como: questões emocionais que inferem sobre a avaliação de riscos e possíveis perdas e ganhos; a forma com que o problema a ser solucionado foi definido e visualizado por diferentes níveis e prismas, o conjunto de informações acionadas de diferentes fontes, bem como o processo de reflexão e revisão por si mesmo e por outras pessoas que estão menos envolvidas e “ocupadas cognitivamente” com o problema (Kahneman, 2011).
Na linha de exercitar olhar para determinado problema por diferentes níveis e prismas e, ao mesmo tempo, reconhecer a dificuldade de seguir essa caminho mais trabalhoso e desconfortável, Gottlieb (2019, p. 151) chama a atenção para a seguinte frase atribuída a Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo grau de consciência que o criou”, e comenta: “Sempre achei que fazia sentido, mas, como a maioria de nós, também acredito que poderia conseguir solucionar meu problema pensando repetidas vezes como me coloquei naquela situação”, ao invés de estar disposta a ver o entorno de forma diferente contando com a conexão com outras pessoas.
O protagonismo e o impacto das relações humanas sobre comportamentos e resultados também são ressaltados por Duhigg (2012). O autor destaca o poder de hábitos mobilizados socialmente, que não surgem simplesmente porque as pessoas decidem olhar para determinada questão ao mesmo tempo de um dia para o outro, mas sim porque alguma situação de crise acontece afetando a rotina e as pessoas próximas, e isso funciona como um gatilho que ativa o senso de urgência, responsabilidade e mudança para gerar novos hábitos que representem melhor a comunidade.
Duhigg (2012) explica, inclusive, que bons líderes conseguem aproveitar momentos de crise para modificar hábitos organizacionais, cultivando nas pessoas a sensação de que algo precisa de fato ser transformado, de que isso é prioridade e de que há respaldo para reformular rotinas. O autor comenta adicionalmente: “Durante uma turbulência, os hábitos organizacionais se tornam maleáveis o bastante tanto para alocar responsabilidade quanto para criar um equilíbrio de poder mais imparcial” (Duhigg, 2012, p. 236). Em outras palavras, trabalhando em um contexto difícil de maneira consciente, colaborativa e aberta para aprendizados, cria-se um ambiente mais cooperativo, aberto a experiências e percepções distintas e com forte senso de identificação e pertencimento por parte das pessoas.
Duhigg (2012) ainda oferece contribuições para pensar sobre a conexão entre liderança, comportamento e mudança de hábitos mencionando a história da multinacional Alcoa. O autor conta que quando Paul O’Neil assumiu o comando das operações da empresa, esperava-se que logo em seu discurso inicial ele fosse citar novas estratégias econômicas e financeiras para o desenvolvimento do negócio, e, ao invés disso, ele deixou claro que sua prioridade máxima era a Saúde e a Segurança do Trabalho, implantando na sequência medidas como o envolvimento direto da alta liderança da empresa com todas as questões e ocorrências de Saúde e Segurança do Trabalho, obrigando todas as áreas a terem ainda mais eficiência nas manutenções preventivas, nas sinalizações, no cuidado com toda a equipe e na comunicação aberta e ágil de desafios, dificuldades e imprevistos antes que acidentes acontecem.
Como consequência, apesar da promessa do presidente não ter sido aumentar o faturamento da empresa, as medidas de Saúde e Segurança implantadas aumentaram a satisfação no trabalho com impacto direto na produtividade, na qualidade de produtos e serviços, na imagem da empresa no mercado e na diminuição de custos oriundos de processos que antes eram realizados de forma precária e arriscada e foram totalmente redesenhados. Dessa forma, os comportamentos com foco na Saúde e na Segurança se tornaram, como diz Duhigg (2012), “hábitos angulares”. Ou seja, hábitos elencados como prioridades centrais, que possuem importância reconhecida de forma geral, e que, ao serem modificados para alcançar um objetivo conforme o direcionamento do líder, iniciam uma “reação em cadeia” e alavancam outras mudanças.
O artigo teve como proposição investigar e apresentar referências oriundas dos estudos de Psicologia que podem contribuir diretamente com práticas de liderança no dia a dia organizacional.
Longe de serem fórmulas ou receitas sobre o que fazer e como agir em todas as situações, as contribuições destacadas no presente texto inspiram e funcionam como “sinalizadores” para direcionar reflexões, caminhos, decisões e transformações mobilizadas por líderes de maneira embasada, consciente e responsável.