Bem estar nas organizações
Refletindo sobre a maneira com que o contexto organizacional é encarado na perspectiva da Administração, Chanlat e Bédard (1996, p. 137) destacam o predomínio de uma racionalidade econômica na qual “Tudo deve ser calculado e medido segundo os termos da rentabilidade, da eficácia e da produtividade”.
Sabemos da importância desses fatores para a perpetuidade das organizações, mas também entendemos que esse tipo de racionalidade é insuficiente diante das demandas sociais essenciais à vida.
Então, nesse artigo, a proposta é colocar em evidência que o ambiente de trabalho pode e deve ser um local que proporciona resultados econômicos aliados ao bem-estar individual e coletivo, valorizando de fato as características, os conhecimentos, as perspectivas de desenvolvimento e a autonomia das pessoas.
Para tal, são utilizados estudos que enxergam as empresas a partir do prisma da Psicologia, como é o caso de Spink (1991), considerando que essa abordagem pode ser um caminho interessante para contribuir com a Administração das empresas pelas lideranças.
Segundo Spink (1991), há uma tendência a gerir a organização com o propósito “de dar ou colocar ordem (ordenar) nas diversas ações” direcionando o negócio apenas com foco em “planejar, organizar, liderar e controlar” (Spink, 1991, p. 23-24).
Contudo, Spink (1991) propõe entender a organização como um fenômeno bem menos objetivo, concreto e manipulável do majoritariamente se imagina, já que tal fenômeno se constrói e se reconstrói de forma viva no cotidiano, pela diversidade de perfis, necessidades, criações, relações e negociações humanas. É no cotidiano que, nas palavras do autor, “a gente se conhece como gente” (Spink, 1991, p. 27).
Partindo de visões como essa, o presente artigo tem o objetivo de apresentar propostas para que as organizações desenvolvam suas operações considerando o bem-estar das pessoas e equipes no dia a dia.
A fim de atender a esse objetivo, o Desenvolvimento do texto foi dividido em duas partes, agregando, em um primeiro momento, breves reflexões sobre diferentes formas de vislumbrar a Administração do trabalho no ambiente organizacional, e, então, compartilhando algumas possibilidades para que tal ambiente seja fonte de aprendizado, inspiração, cuidado, inclusão e, assim, bem-estar.
Múnera Uribe e Castrillón Velásquez (2010) pontuam que a visão predominantemente difundida sobre as atividades de Administração e que envolvem os pilares de Planejamento, Organização, Direção e Controle pretendem enquadrar o que uma pessoa administradora deve fazer, mas não comportam a complexidade e o tamanho da responsabilidade da Administração em si.
Afinal, como comentam Veras, Caglioni e Porém (2017) à luz desses autores, é importante entender que:
[…] a definição de um indivíduo não pode se esgotar meramente no que é instruído que ele faça, já que é preciso considerar também o que ele pensa, o que ele sente, como ele se relaciona, entre outras dimensões que costumam ser relegadas em nome da busca pelo desempenho, pela produtividade e pelo rendimento. (Veras, Caglioni e Porém, 2017, p. 4).
Nessa mesma linha, Chanlat (1991) chama a atenção para a necessidade de contestar a visão mais simplista e instrumentalizada do ser humano no ambiente do trabalho, compreendendo a riqueza das experiências da nossa espécie e, além disso, percebendo que, cada vez mais, as fórmulas prontas e os direcionamentos universais são incapazes de resolver os problemas, desafios e demandas do cotidiano.
Por isso, tem ganhado força os estudos que destacam a importância de valorizar a essência e a autonomia de cada indivíduo no trabalho como preocupação conectada à gestão de recursos e resultados na empresa.
Na década de 90, Spink (1996) e Chanlat (1996) já pontuavam a relevância de olhar para as subjetividades nas organizações e para as pequenas e diversas ações do dia a dia que, muitas vezes, acabam desconsideradas em nome da pretensão de objetividade, homogeneidade e concretude para a produtividade.
Adicionalmente, Bendasolli (2021) ressalta, nesse caminho de pensamento no prefácio de um livro contemporâneo sobre a Psicologia no contexto do Trabalho, a ideia de que um “trabalho bem-feito” envolve a busca de trabalhadoras e trabalhadoras pela realização das atividades de maneira consciente, sem desperdiçar recursos e utilizando caminhos melhores, mas, ao mesmo tempo, essa postura não precisa ser cultivada de maneira imposta e estressante pelos gestores.
Aliás, pelo contrário, quando as lideranças desenvolvem o hábito de apreciar as pessoas da equipe, valorizar os pontos fortes que cada uma delas possui e zelar para que elas se sintam bem, os resultados são ainda melhores.
Sobre o assunto de apreciação, Galvão (2022) chama a atenção para o fato de que apreciar não significa concordar; ou seja, é possível respeitar e achar interessante a forma com que um indivíduo pensa e/ou se expressa conforme sua maneira particular de ser, mesmo que haja divergência sobre o conteúdo ou assunto.
Adicionalmente, o exercício da apreciação tem a ver com o cultivo da atenção às pessoas, como explica Xavier (2021). Quando os indivíduos percebem que estão sendo verdadeiramente considerados e que se encontram em um ambiente seguro, eles se sentem mais estimulados para contribuir com tal ambiente e potencializam a sensação de bem-estar.
Então, a partir do exposto e da experiência adquirida no âmbito acadêmico e profissional, estão compartilhadas na sequência três propostas interligadas a fim de atender ao objetivo proposto para o presente artigo.
Inicialmente, há o entendimento sobre a importância de observar e identificar de forma inteligente e estratégica as preferências e os pontos fortes das diferentes pessoas da empresa. Entrevistas, dinâmicas e questionários podem ajudar nesse processo, mas mais importante do que isso, é fundamental observar com atenção e sem julgamentos as ações no cotidiano, percebendo e registrando as escolhas, sutilezas, caminhos e desdobramentos diferentes relacionados a cada pessoa, e, adicionalmente, guardando exemplos práticos de situações que podem ser mencionadas futuramente.
De maneira interrelacionada a essa proposta, é feita a sugestão para que, de forma recorrente e devidamente acordada com todos os indivíduos, sejam promovidos encontros com foco no compartilhamento de experiências, conhecimentos e conquistas viabilizados a partir dos pontos fortes de cada pessoa e da interconexão entre eles.
Adicionalmente, a equipe reunida pode realizar sessões coletivas de trabalho para que, a partir dos pontos fortes e das situações benéficas que ocorreram com cada indivíduo, seja possível identificar fortalezas, diferenciais e formas de trabalho da equipe, intensificando assim a conexão e os resultados de maneira leve, negociada e colaborativa.
O artigo propôs breves reflexões sobre o ambiente de trabalho inspiradas tanto pela necessidade de encarar as práticas de Administração de maneira mais inclusiva e mutuamente benéfica quanto pelo desejo de que um número cada vez maior de empresas invista, de fato, no bem-estar de cada pessoa da equipe.
Vale ressaltar, para concluir, que um “trabalho bem-feito” – usando a expressão de Bendasolli (2021) – não precisa ser realizado de maneira imposta, instrumentalizada e sofrível. Afinal, é possível e altamente desejável que o ideal de “bem” – esteja ele lado a lado do que é realizado no dia a dia e/ou do que é sentido como agradável – se mantenha presente em um contexto coletivo real de equilíbrio e desenvolvimento.